Introdução
A população mundial encontra-se cada vez mais inserida em um contexto tecnológico, no qual muitas das operações e atividades anteriormente realizadas exclusivamente de forma presencial, agora são realizadas de forma online.
Seguindo o embalo dessas mudanças e reformas, foram criados diversos criptoativos (moedas virtuais), sendo a mais famosa delas o Bitcoin, que já é utilizado em diversas operações empresariais, cabendo destacar que, em 2021, o governo de El Salvador aprovou uma lei tornando a referida moeda como oficial do país, junto ao dólar norte-americano, e em abril de 2022, a República Centro-Africana, no mesmo sentido, também adotou o Bitcoin como moeda legal ao lado do franco CFA.
Além dos criptoativos, há outros diversos bens digitais que possuem um valor financeiro. Como exemplo, cita-se as milhas aéreas, ebooks (livros digitais) e redes sociais dos influenciadores digitais, com milhões de seguidores, por meio da qual é possível faturar uma alta quantia diária com publicidades.
Outro interessante exemplo trata-se do jogo Counter-Strike: Global Offensive, no qual um visual especial da metralhadora AK-47 – apenas contextualizando, o referido jogo é de tiro – foi vendido por U$400.000,001.
Todavia, não é sempre que esses bens digitais possuem um valor econômico. As contas de redes sociais de pessoas não famosas, com poucos seguidores, em que pese conter diversas fotografias e recordações – que, com certeza, possuem um valor ao seu titular – não possuem valor econômico.
Nesse cenário, uma pergunta que atualmente é muito feita: o que acontece com estes bens digitais quando há o falecimento de seu titular?
Cabe ao Direito acompanhar essas evoluções e tentar dar uma resposta aos problemas que vão surgindo.
Direito sucessório
O Direito sucessório trata-se de um complexo de princípios e regras jurídicas que disciplinam a transferência do patrimônio de uma pessoa natural, sejam ativos ou passivos, para depois da morte, em virtude da lei ou testamento.
Oliveira e Amorim (2018, p. 37), definem que “Sucessão é o ato ou o efeito de suceder. Tem o sentido de substituição de pessoas ou coisas, transmissão de direitos, encargos ou bens, numa relação jurídica de continuidade”.
Dentro da sucessão, há a figura da sucessão legítima, que se refere à transferência causa mortis concedida às pessoas designadas na legislação como herdeiros necessários do autor da herança, identificados por meio da denominada ordem de vocação hereditária ou por regras específicas de indicação de sucessores. São esses indivíduos que serão convocados para adquirir a herança, seja na ausência uns dos outros ou em situações de concorrência entre eles.
O Código Civil Brasileiro adota como critério os laços familiares, consanguíneos (filiação biológica) ou cíveis (adoção), e o vínculo decorrente do casamento ou da união estável.
A sucessão legítima pode compreender a totalidade do acervo hereditário, ou restringir à parte não compreendida pelo testamento. Pode a pessoa natural, durante a sua vida, apenas dispor da parte disponível de seus bens, correspondentes a 50% do total de seu patrimônio (percentual este que será auferido apenas quando de sua morte). Nesse interim, Maria Berenice Dias ensina (2021, p. 153-154):
O titular do patrimônio não pode dispor livremente de todos os seus bens, nem durante sua vida, nem para depois de sua morte. Só pode doar o que pode dispor por testamento (CC 549). Assim, ainda que seja plenamente capaz, não é absoluta a liberdade de quem tem herdeiros necessários. A lei escolhe determinadas pessoas que necessariamente irão receber parte do patrimônio: descentes, ascendentes e cônjuge. São os chamados herdeiros necessários. A eles é destinada a metade da herança. A sucessão legítima impõe a transferência de metade do patrimônio a quem a lei elege como herdeiro. Somente a outra metade é disponível, tendo o seu titular a liberdade de destiná-la a seu bel-prazer. Pode doar enquanto for vivo ou, por meio de testamento, pode deixar a quem lhe aprouver toda a metade disponível, uma fração dela, ou bens determinados (CC 1.786). Os herdeiros testamentários recebem uma cota-parte da herança e os legatários, bens identificados.
A figura do testamento também se trata de uma última manifestação de vontade de uma pessoa, na qual o falecido dispõe, para depois da morte, em todo ou uma parte de seus bens para terceiros.
Há diversos requisitos e formalidades legais para a elaboração de um testamento, que devem ser estritamente respeitados para ser considerado válido, sob pena de nulidade.
O Código Civil Brasileiro prevê três formas ordinárias de testamento:
- Público: deve ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador. Após lavrado o instrumento, esse deve ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial e assinado por todos;
- Cerrado: deve ser escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, deverá ser validado pelo tabelião ou seu substituto legal, devendo o testador o entregar ao tabelião em presença de duas testemunhas, declarar que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado e o tabelião deverá lavrar, desde logo, o auto de aprovação, na presença das testemunhas, e o ler, em seguida, ao testador e testemunhas. Após isso, o auto de aprovação deve ser assinado por todos.
- Particular: pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico, sendo que, se escrito de próprio punho, deve ser lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. Se elaborado de forma mecânica, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão. Na morte do testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Frisa-se que o STJ possui o entendimento que o autor da herança tem o direito de organizar e estruturar a sucessão, de forma que a parte indisponível do patrimônio, que cabe aos herdeiros necessários, pode constar em testamento, desde que isso não implique privação ou redução da parcela a eles destinada por lei, que, nos termos do art. 1.789 do Código Civil, deve ser ao menos de metade do patrimônio.
Desse modo, percebe-se que a sucessão não se trata somente de uma transferência da propriedade, mas também uma continuidade das relações humanas, que sobrevivem e seguem através do direito de herdeiros.
Herança digital
Feitas tais considerações sobre o direito sucessório no capítulo anterior, percebe-se que os bens digitais, por serem parte do patrimônio de uma pessoa natural, também abrangem acervo patrimonial a ser partilhado e devem ser transferidos para seus herdeiros no momento da sucessão.
Conforme bem pontuado pelo professor e doutrinador, Bruno Zampier na obra “Bens Digitais” (2017, p. 124):
“A solução mais acertada, em respeito aos direitos fundamentais e aos cânones do direito sucessório, é permitir que haja transmissão de seu patrimônio digital aos herdeiros, seja pela via testamentária ou legítima. Para tanto, há que se ter o cuidado de arrolar tais bens nos inventários que forem abertos, permitindo-se que o Estado chancele tal transmissibilidade”.
No entanto, autorizar a transferência desses bens digitais quando possuem informações pessoais, como as redes sociais, incluindo aspectos da vida privada de seu titular, pode implicar na violação dos direitos da personalidade. Esses direitos são protegidos constitucionalmente, tanto para o titular desses bens quanto para terceiros.
Para suprir essa lacuna legislativa existente não apenas no Brasil, mas, também, no exterior, as plataformas digitais têm inserido, em seus termos de uso, o caminho a ser trilhado na hipótese de falecimento de seus usuários, oferecendo a possibilidade de tais usuários, previamente, determinar o destino de sua conta em caso de morte.2
Entretanto, tais regulamentos são passíveis de questionamento e têm alcance limitado. Como exemplo, o programa de milhas aéreas da Gol Linhas Aéreas e Smiles, veda, expressamente, em seu termo de uso, a sucessão por herança. Todavia, essa cláusula é incompatível com o CDC, por implicar a extinção de um ativo digital de caráter patrimonial, violando, portanto, o princípio da boa-fé objetiva3.
Para além desses regulamentos, conforme lição de Natália Chaves:
“o próprio titular dos bens digitais sobre os quais pairam a dúvida da transmissibilidade poderá deixar, em vida, a sua manifestação de vontade acerca da destinação de tais bens, hipótese em que sua vontade deverá ser respeitada, observados os parâmetros legais. Uma vez fixados os contornos dos bens digitais passíveis de transmissão causa mortis, constituindo a chamada herança digital, ainda há desafios adicionais, ligados à avaliação desses bens e à consequente tributação em caso de morte.”
Diante da ausência de legislação específica e diversas peculiaridades que envolvem o acervo hereditário digital, é importante a análise caso a caso, e, principalmente, se houver declaração de vontade, ainda em vida, do titular do bem digital.
Legislação internacional e comparativa
Como dito, a questão da herança digital não é exclusiva de um único país, mas sim um desafio global que requer abordagens legais abrangentes e adaptáveis. Em todo o mundo, legisladores e especialistas jurídicos estão buscando maneiras de lidar com a transferência de bens digitais após o falecimento do titular.
Em países como os Estados Unidos e alguns países europeus, como o Reino Unido e a França, foram propostas e, em alguns casos, implementadas legislações específicas para abordar a herança digital. Essas leis visam definir claramente os direitos dos herdeiros em relação aos bens digitais e estabelecer procedimentos para sua transferência e gestão adequadas4.
Por exemplo, nos Estados Unidos, alguns estados promulgaram leis que permitem que os usuários designem um “executor digital” em seus testamentos para lidar com suas contas online após a morte. Esses executores têm autoridade legal para acessar e gerenciar as contas digitais do falecido de acordo com suas instruções.
No entanto, apesar dos avanços em alguns países, ainda há uma falta de harmonização e consistência nas leis de herança digital em todo o mundo. Isso pode criar desafios para indivíduos e famílias com bens digitais em jurisdições diferentes.
Além disso, em muitos países em desenvolvimento e emergentes, a legislação específica sobre herança digital ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento. Isso pode resultar em incerteza jurídica e dificuldades práticas para os herdeiros ao lidar com bens digitais em casos de sucessão.
Diante disso, é essencial que os legisladores continuem a monitorar e responder às mudanças no ambiente digital, desenvolvendo leis e regulamentos atualizados e adaptáveis que protejam os direitos dos indivíduos e garantam uma transição suave e justa dos bens digitais após o falecimento do titular. Uma cooperação internacional e compartilhamento de melhores práticas também são fundamentais para enfrentar os desafios globais apresentados pela herança digital.
Conclusão
Por tudo aqui exposto, todo bem digital de caráter exclusivamente patrimonial deve ser transferido para os sucessores após o falecimento de seu titular. No caso dos bens digitais não patrimoniais, esses não devem ser transferidos para os seus familiares no momento da morte, com exceção de expressa manifestação do titular ainda em vida.
Todavia, excepcionalmente, deve ser possível o acesso a estes bens, quando houver uma justa causa, que deve ser avaliado individualmente pelo Poder Judiciário, para tentar, da melhor forma possível, conciliar os interesses em jogo5.
Além das questões legais e procedimentais envolvendo a herança digital, é importante considerar os aspectos éticos e humanos relacionados aos bens digitais. Como mencionado, os bens digitais podem conter não apenas valor patrimonial, mas também memórias, relacionamentos e identidade pessoal do falecido. Portanto, ao lidar com a transferência e gestão desses ativos, é fundamental garantir que os interesses e desejos do titular sejam respeitados. A possibilidade de acesso a bens digitais não patrimoniais, sob circunstâncias excepcionais e mediante avaliação judicial, visa equilibrar os direitos dos herdeiros com o respeito à privacidade e dignidade do falecido, através do acesso sensível, reconhecendo não apenas seu valor financeiro, mas também seu significado emocional e pessoal para aqueles que deixamos para trás.
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1 GUGELMIAN, Felipe. Skin de Counter-Strike: Global Offensive é vendida por US$ 400 mil. Adrenaline, 2023. Disponível em: https://www.adrenaline.com.br/games/skin-de-counter-strike-global-offensive-e-vendida-por-us-400-mil/. Acesso em: 15 jan. 2024
2 CHAVES, Natália. Herança digital no Brasil: desafios jurídicos e perspectivas. In: CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023. p. 337
3 ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017. p.124-125.
4 CHAVES, Natália. Herança digital no Brasil: desafios jurídicos e perspectivas. In: CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023.
5 ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017. p.128
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OLIVEIRA, Euclides; Amorim, Sebastião. Inventário e Partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Belo Horizonte. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023.
ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017.
A sociedade empresarial familiar e o planejamento patrimonial e sucessório: Os benefícios dessa modalidade de planejamento para a continuidade do negócio
Sociedades Empresariais Brasileiras:
No Brasil, as sociedades compostas por integrantes da uma mesma família são a maioria no mercado, representando 90% das sociedades empresariais do país, conforme relata o escritor e especialista em administração de empresas Armando Lourenzo Almeida Junior, em seu livro Bastidores da Empresa Familiar.
Nesses formatos de sociedade empresarial é possível observar a predominância de algumas características derivadas do parentesco entre os familiares, tais como: o poder econômico está concentrado em uma família; o poder de tomar decisões sobre a sociedade está nas mãos daqueles que fazem parte da primeira geração da família, geralmente o “casal” originário; todos os investimentos que foram postos na sociedade são revertidos ao sustento da própria família; o setor administrativo da empresa é em sua maioria formado por integrantes da mesma família; e os membros estão motivados a tomar decisões que maximizem os lucros, uma vez que seus rendimentos familiares estão diretamente atrelados ao desempenho da empresa.
Desse modo, é possível compreender que um dos grandes desafios dentro de uma sociedade familiar é a própria continuidade do negócio. Por isso, elaborar uma boa estrutura de sucessão da empresa é extremamente importante para que esse desafio seja superado.
Nesse sentido, é necessário buscar meios de organizar e proteger os bens que integram o patrimônio familiar e o empresarial, a fim de que bens pessoais não sejam confundidos com bens empresariais e vice-versa, sendo este um objeto que deve estar no pensamento de toda família que iniciou seu próprio negócio e que deseja perpetuá-lo. Todavia, essa proteção não pode ser vista como uma “blindagem patrimonial”.
Assim, é importante esclarecer que o planejamento patrimonial e sucessório não deve ser entendido como uma forma de blindagem patrimonial. Essa ideia, frequentemente promovida por alguns profissionais, é equivocada e, na prática, completamente insustentável. O planejamento visa a organizar os bens e estruturar a sucessão de maneira legal e eficiente, mas não oferece uma garantia absoluta contra riscos ou perdas.
Ademais, como dito, o planejamento patrimonial e sucessório não deve ser apenas utilizado para a organização e proteção dos bens familiares, mas também deve ser pensado para os casos em que o objetivo familiar seja a manutenção dos negócios da família.
Esse processo começa com a identificação do fundador da empresa, que é responsável pela conquista dos bens que compõem o patrimônio familiar, e suas aspirações. Através de um planejamento adequado, é possível garantir uma transição eficiente e harmoniosa, protegendo os interesses do fundador e da família, bem como preservando o legado construído ao longo do tempo.
Cenários para o planejamento:
Existem situações específicas que podem gerar grande preocupação e insegurança nas empresas, como a aposentadoria, a morte ou o afastamento do fundador. Essas circunstâncias podem impactar diretamente a continuidade dos negócios e a estabilidade organizacional.
Nesses cenários desafiadores, o planejamento patrimonial e sucessório é como uma ferramenta essencial utilizada para assegurar uma transição eficiente e harmoniosa, orientando, de forma antecipada, os herdeiros para que, quando da efetiva sucessão, certos conflitos sejam evitados.
É importante ressaltar que a eficácia desse planejamento depende da sua implementação em vida, permitindo que os fundadores estabeleçam diretrizes claras sobre a continuidade dos negócios e que os herdeiros, desde logo, tomem ciência destas diretrizes.
Um planejamento bem estruturado deve prever que a possibilidade de um herdeiro ser apenas um herdeiro, bem como permitir que, aqueles que assim desejam, legitimamente o façam. Isso porque ser herdeiro de uma empresa familiar não significa que ele deva administrar aquele negócio. No entanto, se assim decidir um herdeiro, deve ele ter em mente que seus direitos serão apenas de sócio e não de administrador.
Um planejamento bem estruturado, também, deve prever a forma de administração e organização desta administração da empresa familiar. Em certos casos, isso corre através da criação de um conselho de administração, que não pode ser confundido com a função de administrador. O conselho de administração é um órgão de consultoria, enquanto a administração é responsável pela condução dos negócios no dia a dia.
Além disso, o planejamento patrimonial e sucessório deve contemplar aspectos legais, fiscais e financeiros, garantindo que a transição ocorra de forma harmoniosa e minimizando conflitos entre os herdeiros.
Ao criar um plano abrangente, os fundadores podem programar a sucessão de suas empresas de maneira a preservar o legado familiar, promovendo a sustentabilidade dos negócios ao longo do tempo.
Os benefícios do planejamento:
Quando da elaboração de um planejamento patrimonial, é necessário analisar de forma cuidadosa os diversos materiais e fontes legais que fundamentam esse procedimento. Essas fontes incluem não apenas as legislações que regulam a família, como o CC e as normas específicas sobre união estável e casamento, mas também as disposições relativas à sucessão, que determinam como os bens devem ser partilhados entre herdeiros.
Além disso, é imprescindível considerar as leis tributárias que incidem sobre os bens e as doações. O entendimento profundo dessas regulamentações é crucial para garantir que o planejamento seja não apenas legal, mas também ótimo do ponto de vista fiscal.
Ao utilizar essas fontes legais como base, o planejamento patrimonial deve sempre priorizar os interesses de cada empresa envolvida. Dessa forma, o planejamento patrimonial não é apenas uma questão de proteção legal, mas uma estratégia proativa que busca garantir a continuidade dos negócios familiares.
Além dos benefícios já mencionados, o planejamento patrimonial proporciona outras importantes vantagens, como a centralização da gestão financeira dos ativos. Essa abordagem ajuda a evitar a configuração de condomínio sobre esses bens, simplificando, assim, o processo de inventário e facilitando a administração do patrimônio.
Em suma, o planejamento patrimonial e sucessório é uma ferramenta fundamental que permite a uma família delinear, de forma clara e antecipada, a estrutura de suas sociedades e a gestão de seus bens após o falecimento do fundador ou do principal proprietário.
Ao estabelecer um planejamento detalhado, a família pode definir claramente quem serão os sócios e quais serão suas quotas-partes, quem serão os administradores e quais serão suas competências, assegurando que todos os membros tenham entendimento sobre seus direitos e responsabilidades. Essa organização não apenas facilita a administração dos bens, mas também assegura que a visão e os objetivos do fundador sejam mantidos nas gerações seguintes.
Em conclusão, um planejamento patrimonial e sucessório pode visar, além da organização e proteção dos bens familiares, a manutenção dos negócios da família, a fim de perpetuá-los a cada geração, sem que sua essência seja aos poucos perdida com o tempo. E, assim, é possível, como demonstrado, alcançar este objetivo através de um bom planejamento patrimonial e sucessório.
VENTURA, Luciano Carvalho. A empresa e a sucessão. In: PATRIMÔNIO E SUCESSÃO: COMO GARANTIR OS HERDEIROS E OS NEGÓCIOS. São Paulo: Maltese, 1993. p. 121.
MOREIRA JÚNIOR, Armando Lourenzo. Bastidores da empresa familiar. São Paulo: Atlas, 2011. p. 2-3.
IBDFAM. Anais do Planejamento Sucessório, Rolf Madaleno. Disponível em: https://ibdfam.org.br/assets/upload/anais/299.pdf. Acesso em: 20/10/2024.
SANTA CRUZ MESQUITA, Valeria de Melo. A formação de holding como instrumento sucessório, patrimonial e tributário. Disponível em: https://repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/12225/Valeria%20de%20Melo%20Santa%20Cruz%20Mesquita_PROTEGIDO.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 20/10/24.
https://www.migalhas.com.br/depeso/418595/planejamento-sucessorio-e-patrimonial-para-empresas-familiares
Oportunidade de pagamento da dívida tributária em condições especiais: Edital PGDAU 2/24
Manter a regularidade fiscal para atender às exigências do dia a dia empresarial, como a obtenção de financiamentos, a habilitação como fornecedor, entre outras situações, exige o uso de estratégias eficazes. Nesse contexto, a transação tributária surge como um mecanismo essencial, permitindo a quitação de passivos em condições mais vantajosas, facilitando o cumprimento dessas demandas e fortalecendo a competitividade da empresa.
I. O que é a transação tributária?
A transação tributária está prevista no art. 171 do CTN e figura entre as hipóteses de extinção do crédito tributário (art. 156, do CTN). De acordo com esse dispositivo, a transação tributária permite que o Fisco e os contribuintes, conforme a lei autorizadora, celebrem um negócio jurídico por meio de concessões mútuas, com o objetivo de encerrar disputas e extinguir o crédito tributário.
Em resumo, trata-se de um acordo entre o Fisco e os contribuintes, com condições diferenciadas, que possibilita a regularização das dívidas tributárias.
O objetivo principal da transação é pôr fim a discussões relacionadas ao crédito tributário, configurando-se como um meio alternativo de resolução de conflitos na esfera tributária.
Para tanto, o Fisco exige dos contribuintes, em troca das condições especiais de pagamento, a confissão irretratável da dívida e a renúncia aos processos administrativos ou judiciais em que se discuta a cobrança dos créditos tributários incluídos na transação.
Embora a previsão da transação tributária exista há mais de 50 anos, sua regulamentação em âmbito Federal ocorreu apenas em 2020, com a conversão da medida provisória 899/19 na lei 13.988/20. Essa lei estabeleceu os requisitos e condições para a celebração de acordos entre contribuintes e a Fazenda Pública, criando três modalidades de transação:
Quanto à forma de proposição, a lei 13.988/20 prevê que a transação pode ser realizada por adesão a edital publicado pela Fazenda Pública ou por proposta individual, podendo esta ser apresentada tanto pelo contribuinte quanto pela Fazenda. No caso da cobrança de dívida ativa, é possível optar por adesão ou proposta individual, enquanto nas outras modalidades somente é permitida a adesão a edital.
A concessão dos benefícios pela Fazenda Pública é precedida de uma análise do grau de recuperabilidade da dívida, o que faz com que as condições variem de acordo com o perfil do contribuinte e as características do débito. As propostas de negociação podem incluir:
É importante ressaltar que a transação não pode envolver a redução do montante principal da dívida nem conceder reduções superiores a 65% do valor total dos créditos, com prazo de quitação máximo de 120 meses. No caso de microempresas e empresas de pequeno porte, o desconto pode chegar a 70%, com prazo de até 145 meses.
Com base nesses esclarecimentos sobre o funcionamento da transação tributária, é pertinente apresentar o edital vigente no âmbito Federal, destacando os benefícios oferecidos por cada um deles.
II. Transações tributárias por adesão vigentes na esfera Federal – Edita PGDAU 2/24
A vigência do Edital PGDAU 2/24 foi recentemente prorrogada até o dia 31/10/24, às 19 horas, possibilitando que os contribuintes enquadrem seus débitos tributários em uma das modalidades de transação por adesão oferecidas pela PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, referentes a créditos inscritos em dívida ativa.
Vale ressaltar, o Edital PGDAU 2/24 prevê, entre as condições especiais concedidas, a possibilidade de pagamento dos débitos por meio de precatórios federais, próprios ou adquiridos de terceiros, decorrentes de decisões transitadas em julgado.
Ademais, conforme será apresentado, também é ofertado aos contribuintes condições como a entrada facilitada, descontos e prazos prolongados de parcelamento. Os benefícios concedidos dependem do enquadramento dos débitos nas modalidades de transação previstas, sendo elas:
a. Transação de pequeno valor
A transação de pequeno valor é direcionada a pessoas físicas, MEI – microempreendedores individuais, ME – microempresas e EPP – empresas de pequeno porte que possuem débitos inscritos em dívida ativa há mais de um ano, com valor consolidado igual ou inferior a 60 salários-mínimos.
Os benefícios concedidos por esta negociação são: (i) a entrada facilitada referente a 5% do valor total da dívida, sem desconto, em até 5 meses; e (ii) o parcelamento do saldo remanescente em:
Até 07 meses, com desconto de 50% sobre o valor total;
Até 12 meses, com desconto de 45% sobre o valor total;
Até 30 meses, com desconto de 40% sobre o valor total; e
Até 55 meses, com desconto de 30% sobre o valor total.
Cabe ressaltar, o valor das prestações não pode ser inferior a:
R$25,000 (vinte e cinco reais) para MEI;
R$100,00 (cem reais) para os demais contribuintes.
b. Transação de pequeno valor para débitos previdenciários de MEI
A transação de pequeno valor para débito é destinada aos MEIs – microempreendedores que possuem débitos previdenciários inscritos em dívida ativa há mais um ano, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a 5 salários-mínimos.
Por meio desta negociação é possível usufruir os seguintes benefícios:
Entrada facilitada referente a 5% do valor total da dívida, sem desconto, em até 05 meses; e
O parcelamento do saldo remanescente em até 55 meses, com desconto de 50% sobre o valor total da dívida transacionada.
Além disso, deverá ser observado o limite mínimo do valor das parcelas, sendo elas:
R$25,00 (vinte e cinco reais) tratando-se de MEI;
R$100,00 (cem reais) para os demais contribuintes.
c. Transação conforme a capacidade de pagamento
Por meio da transação conforme a capacidade de pagamento, são disponibilizados benefícios para os contribuintes que tenham débitos cujo montante seja igual ou inferior a R$ 45 milhões.
No entanto, os benefícios são concedidos conforme a capacidade de pagamento do contribuinte. A PGFN – Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional identifica a capacidade de pagamento por meio do valor estimado que considera que o contribuinte conseguirá pagar dentro de um prazo de 60 meses.
Assim, classifica a capacidade de pagamento conforme o grau de recuperabilidade dos débitos, sendo:
“A”: alta recuperabilidade;
“B”: média recuperabilidade;
“C”: difícil recuperação; e
“D”: irrecuperável.
Isto posto, os benefícios são concedidos da seguinte forma:
“A” e “B”: aproveitamento de entrada facilitada; e
“C” e “D”: aproveitamento de entrada facilitada, prazo alongado de parcelamento e descontos sobre os acréscimos legais.
A entrada facilitada é referente a 6% do valor total da dívida, sem desconto, podendo ser paga em até 6 meses por pessoa jurídica e em até 12 meses por pessoa física.
No que se refere ao prazo prolongado, poderá o saldo remanescente ser parcelado em até 114 prestações mensais; e em até 133 prestações mensais tratando-se de pessoa física, ME, EPP, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil (lei 13.019, de 2014) ou instituições de ensino.
Se os débitos forem de natureza previdenciária, as prestações poderão ser pagas em até 60 meses, devido a limitação constitucional, prevista no art. 195, § 11, CF/88.
Ademais, nesta negociação é concedido o desconto de até 100% sobre o valor dos juros, multas e encargo legal.
Ressalta-se que é possível verificar a capacidade de pagamento do contribuinte por meio do Portal Regularize e, caso ocorra discordância, é possível a apresentação de pedido de revisão da capacidade de pagamento.
d. Transação para débitos de difícil recuperação ou irrecuperáveis
A transação para débitos de difícil recuperação ou irrecuperáveis, ao contrário da modalidade anterior que se baseia na análise da capacidade de pagamento do contribuinte, fundamenta-se em uma avaliação objetiva do enquadramento dos débitos em situações que a PGFN classifica como de difícil recuperação ou irrecuperáveis.
As situações previstas no edital são:
Débitos inscritos há mais de 15 (quinze) anos e sem anotação atual de garantia ou suspensão de exigibilidade;
Com exigibilidade suspensa por decisão judicial há mais de 10 (dez) anos, nos termos do art. 151, IV ou V, do CTN;
De titularidade de pessoa jurídica cuja situação especial no CNPJ seja: falidos, em liquidação judicial, em intervenção ou liquidação extrajudicial;
De titularidade de pessoa jurídica cuja situação cadastral no CNPJ seja: a) baixado por inaptidão; b) baixado por inexistência de fato; c) baixado por omissão contumaz; d) baixado por encerramento da falência; e) baixado pelo encerramento da liquidação judicial; f) baixado pelo encerramento da liquidação extrajudicial; g) baixado por encerramento da liquidação; h) inapto por localização desconhecida; i) inapto por inexistência de fato; j) inapto omisso e não localizado; k) inapto por omissão contumaz; ou l) suspenso por inexistência de fato; e
De titularidade de pessoa física com indicativo de óbito.
Assim, enquadrados os débitos como de difícil recuperação ou como irrecuperáveis, o contribuinte poderá seguir com o pagamento nas seguintes condições:
Entrada facilitada referente a 6% do valor total da dívida, sem desconto, em até 12 meses;
Prazo alongado para pagamento do saldo remanescente, que poderá ser pago em até 108 prestações mensais; e em até 133 prestações mensais tratando-se de pessoa física, MEI, ME, EPP, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil (lei 13.019, de 2014) ou instituições de ensino;
Desconto de até 100% sobre o valor dos juros, multa e encargo legal.
Além disso, deverá ser observado o limite mínimo do valor das parcelas, sendo elas:
R$25,00 (vinte e cinco reais) tratando-se de MEI;
R$100,00 (cem reais) para os demais contribuintes.
e. Transação de inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança
A transação de inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança é direcionada aos contribuintes que possuem uma decisão desfavorável transitada em julgado e que tenham garantido o valor devido por meio de seguro garantia ou carta fiança, antes da ocorrência do sinistro ou do início da execução da garantia.
Assim, estes contribuintes poderão parcelar a dívida garantida nas seguintes condições:
Entrada de 50% e o saldo restante em até 12 meses;
Entrada de 40% e o saldo restante em até 8 meses; e
Entrada de 30% e o saldo restante em até 6 meses.
Além disso, deverá ser observado o limite mínimo do valor das parcelas, sendo elas:
R$25,00 (vinte e cinco reais) tratando-se de MEI; e
R$100,00 (cem reais) para os demais contribuintes.
III. Considerações finais
A transação tributária se apresenta como um instrumento essencial para os contribuintes que buscam regularizar suas dívidas e obter condições mais favoráveis para o pagamento de seus passivos tributários.
Nesse sentido, a transação tributária, regulamentada pela lei 13.988/20, possibilita uma solução viável e adaptada à capacidade financeira do devedor, objetivando a extinção de créditos tributários mediante concessões mútuas entre o Fisco e o contribuinte.
Ao aproveitar essas oportunidades de transação tributária, os contribuintes podem não apenas reduzir seus passivos fiscais, mas também garantir a competitividade de seus negócios, mantendo a regularidade fiscal que é fundamental para sua operação no mercado.
Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/416488/pagamento-da-divida-tributaria-em-condicao-especial-edital-pgdau-2-24
O compliance trabalhista e as investigações do Ministério Público do Trabalho
Nos últimos anos, o compliance trabalhista tornou-se um tema central nas empresas que buscam alinhar suas operações com as exigências legais, promovendo um ambiente de trabalho ético e seguro.
A implementação de um programa de compliance eficiente não só minimiza riscos financeiros e jurídicos, mas também cria uma cultura de respeito e conformidade que beneficia tanto empregadores quanto empregados, tornando-se crucial para todas as empresas, que através do compliance podem evitar autuações pelo MPT e estarem preparadas para fiscalização pelo Domicílio Eletrônico trabalhista – DET.
Conceito de compliance
O termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa “cumprir”, “conformar-se”. No contexto corporativo e jurídico, compliance refere-se ao conjunto de práticas, normas, políticas e diretrizes adotadas por uma organização para garantir que suas atividades estejam em conformidade com a legislação, regulamentos e padrões éticos aplicáveis ao seu setor de atuação. Ou seja, o compliance tem como objetivo assegurar que a empresa opere dentro dos parâmetros legais, prevenindo violações e minimizando riscos de sanções e prejuízos financeiros ou de reputação.
No âmbito trabalhista, o compliance é especialmente relevante para garantir que a empresa observe e cumpra as normas de direito do trabalho, criando um ambiente de trabalho saudável, justo e seguro. Isso inclui o respeito às leis trabalhistas, como pagamento correto de salários, garantia de condições de segurança e saúde no trabalho, proteção contra discriminação, entre outros.
A Importância do compliance trabalhista
O conceito de compliance trabalhista envolve a adoção de políticas e práticas que assegurem que a empresa esteja em conformidade com as leis trabalhistas. Sua importância se destaca por evitar prejuízos significativos decorrentes de multas, investigações e ações movidas por empregados, especialmente aquelas decorrentes de fiscalização pelo MPT.
O Ministério Público do Trabalho, responsável por fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista no Brasil, possui poder de investigação amplo, podendo atuar de forma preventiva ou repressiva. Empresas que não possuem um programa de compliance trabalhista bem estruturado correm maior risco de serem alvo de investigações, o que pode resultar em sanções severas, além de impactar negativamente à reputação corporativa.
Benefícios do compliance trabalhista
Empresas que implementam programas de compliance colhem diversos benefícios, incluindo:
Implementando o compliance trabalhista em sua empresa
A implementação de um programa de compliance trabalhista exige um processo estruturado que envolve várias fases e a participação de todos os níveis da organização.
A seguir, as principais etapas para sua aplicação:
1. Mapeamento de Riscos: O primeiro passo é identificar e mapear os principais riscos trabalhistas que a empresa enfrenta, como práticas de contratação irregulares, condições de trabalho inadequadas e assédio no ambiente de trabalho.
2. Estabelecimento de Políticas e Procedimentos: A empresa deve desenvolver políticas claras, em conformidade com a legislação trabalhista, que protejam os direitos dos trabalhadores e definam regras de conduta para o ambiente de trabalho. Entre as medidas essenciais estão:
3. Treinamento e Educação: É fundamental oferecer treinamentos regulares para todos os funcionários sobre as políticas de compliance, direitos trabalhistas e procedimentos para o reporte de violações. Esses treinamentos ajudam a conscientizar os empregados e a criar um ambiente de conformidade.
4. Criação de Canais de Denúncia: A empresa deve estabelecer canais confidenciais e seguros para que os funcionários possam relatar irregularidades e violações das normas trabalhistas, como discriminação e assédio moral ou sexual.
5. Monitoramento e Auditoria: A realização de auditorias internas e externas é essencial para monitorar o cumprimento das políticas de compliance e identificar falhas. Este processo inclui a análise constante dos riscos e a implementação de melhorias quando necessário.
6. Governança, Privacidade e Proteção de Dados: As boas práticas de governança corporativa incluem a proteção de dados e a segurança da informação no ambiente de trabalho, garantindo que a privacidade dos colaboradores e o sigilo de informações sensíveis sejam respeitados.
7. Cultura de compliance: A alta administração deve estar envolvida na promoção de uma cultura de conformidade dentro da empresa. Gerentes e líderes precisam ser os primeiros a apoiar as iniciativas de compliance, incentivando um ambiente de trabalho ético e justo.
A implementação eficaz do compliance trabalhista depende, portanto, da adoção de práticas que vão além da simples observância das leis. Ela requer um compromisso contínuo com a ética e a conformidade em todas as áreas da organização, garantindo um ambiente de trabalho saudável e produtivo.
O papel do MPT
O MPT exerce um papel crucial na fiscalização das relações de trabalho, investigando denúncias de irregularidades, como assédio moral, discriminação, trabalho análogo ao escravo, entre outras violações. Quando o MPT identifica infrações trabalhistas, pode instaurar um inquérito civil, que pode resultar em termos de ajustamento de conduta (TAC) ou mesmo ações civis públicas, exigindo que a empresa corrija as irregularidades.
Empresas que possuem um sistema robusto de compliance trabalhista estão mais preparadas para responder às investigações do MPT, demonstrando que adotam medidas preventivas e corretivas eficazes para evitar a violação das leis trabalhistas. Isso reduz as chances de sanções severas e protege a organização contra danos reputacionais e financeiros.
A Fiscalização Direta pelo DET – Domício Eletrônico trabalhista
O DET – Domício Eletrônico trabalhista, é uma recente ferramenta tecnológica criada para facilitar a comunicação e fiscalização entre as empresas e os órgãos fiscalizadores, incluindo a Receita Federal, o Ministério da Economia e o próprio MPT. Ele permite que as empresas sejam notificadas eletronicamente sobre qualquer procedimento de fiscalização trabalhista, assegurando maior agilidade no cumprimento das obrigações legais.
Desta forma, a implementação de programas de compliance nas empresas previne e prepara para o recebimento de notificações pelo DET, trazendo o cumprimento das exigências em tempo hábil e evitando penalidades.
Conclusão
Em um ambiente empresarial cada vez mais vigiado e exigente, o compliance trabalhista não é apenas uma formalidade, mas uma linha de defesa vital contra as consequências devastadoras de não conformidade. Ignorar a necessidade de um programa robusto de compliance pode expor a empresa a sanções severas, danos irreparáveis à sua reputação e um ambiente de trabalho onde a dignidade dos empregados é comprometida. No entanto, ao adotar práticas de compliance eficazes, a organização não apenas protege sua integridade e evita penalidades, mas também constrói uma cultura de respeito e responsabilidade, essencial para garantir um futuro próspero e sustentável em um mercado implacável e em constante vigilância.
Carloto, Selma. compliance trabalhista: obra ilustrada em Visual Law, incluindo as fases de implementação e norma da ISSO – 3ª Ed. – São Paul: LTr, 2022.
https://www.migalhas.com.br/depeso/415202/o-compliance-trabalhista-e-as-investigacoes-do-mpt
Arbitragem e competitividade empresarial: Uma abordagem sobre resolução de conflitos
A ascensão acelerada do Direito Empresarial e a intensificação da competição entre empresas, que buscam incessantemente se destacar e evoluir no mercado, têm impulsionado a adoção da arbitragem como uma solução estratégica. Em um cenário onde a agilidade e a especialização são indispensáveis para manter a vantagem competitiva, a arbitragem se destaca como um mecanismo poderoso, capaz de resolver conflitos com eficiência e discrição. Este fenômeno reflete não apenas a busca por soluções mais rápidas, mas também a necessidade de um sistema de resolução de disputas que se alinhe com a dinâmica e complexidade do ambiente empresarial atual.
Assim, um instituto do direito que surgiu na década de 90 tem conquistado maior notoriedade no direito empresarial brasileiro!
Base
Esse instituto é um mecanismo privado de resolução de conflitos em que um terceiro imparcial, conhecido como ‘árbitro’, é designado para tomar uma decisão sobre a disputa. A decisão do árbitro é vinculativa e obriga as partes envolvidas a aceitarem e cumprirem a solução proposta.
O árbitro é um terceiro imparcial escolhido pelas partes envolvidas e deve possuir alta competência para resolver o conflito. A qualificação do árbitro deve estar alinhada com a complexidade e os temas específicos do conflito, garantindo que ele tenha o conhecimento e a experiência necessários para uma decisão adequada e justa.
Embora a arbitragem possa parecer uma decisão puramente coercitiva, é importante destacar que, dentro desse processo, as partes têm a oportunidade de negociar entre si. O árbitro, no entanto, é o responsável por tomar a decisão final, o que aproxima a arbitragem do conceito de conciliação.
Além disso, a decisão do árbitro possui força executiva, semelhante aos títulos executivos extrajudiciais, podendo ser executada pelo sistema judiciário, desde que atenda aos requisitos legais. Para que a decisão seja efetivamente vinculativa, as partes devem consentir com a arbitragem, o que pode ocorrer através de uma cláusula compromissória, prevista no art. 4º da lei 9.307/96, ou por meio de um compromisso arbitral, formalizado após o surgimento do conflito.
Ainda, temos a arbitragem institucional e a arbitragem ad hoc, sendo elas duas modalidades que merecem atenção. A arbitragem institucional oferece vantagens significativas, como a estrutura e as regras já estabelecidas por instituições especializadas, que podem garantir um processo mais eficiente e menos suscetível a falhas. Isso é especialmente relevante em um ambiente empresarial onde a celeridade e a segurança jurídica são importantes para a continuidade dos negócios.
Inclusive, a lei 11.079/04, que trata das parcerias público-privadas, também admite a arbitragem como meio de resolução de conflitos, o que demonstra a crescente aceitação desse instituto em diferentes esferas do direito, incluindo a administração pública. Essa ampliação do uso da arbitragem pode ser vista como um reflexo da sua eficácia e da confiança que as partes depositam nesse mecanismo.
Processo
No mais, a lei 9.307/96, que regula a arbitragem no Brasil, estabelece as regras para a formação do tribunal arbitral, o procedimento arbitral e a execução das decisões. Apesar da flexibilidade do procedimento, é essencial garantir a aplicação dos princípios do contraditório, da imparcialidade e da igualdade entre as partes.
Embora a arbitragem não permita o duplo grau de jurisdição, as decisões podem ser revistas por meio de embargos, destinados a corrigir erros materiais, obscuridades, contradições ou omissões, bem como a sanar nulidades legais.
No campo do direito empresarial, a arbitragem se revela extremamente relevante, pois lida com questões de natureza patrimonial. A preferência pela arbitragem em vez do judiciário se deve à sua rapidez, especialização e confidencialidade, fatores particularmente vantajosos em um ambiente competitivo.
Entretanto, é importante notar que a arbitragem implica custos significativos, relacionados à perícia especializada e aos honorários dos árbitros e advogados, refletindo a necessidade de expertise e o investimento envolvido no processo.
Outro ponto a ser considerado é a questão da arbitrabilidade dos conflitos. É fundamental que as partes estejam cientes de que nem todos os conflitos podem ser submetidos à arbitragem. A lei 9.307/96 estabelece que apenas questões de direito patrimonial disponível são passíveis de arbitragem, o que limita a aplicação desse instituto a determinados tipos de disputas.
Além disso, a confidencialidade da arbitragem é um aspecto que pode ser extremamente vantajoso para as empresas, pois permite que informações sensíveis não sejam divulgadas publicamente, ao contrário do que ocorre em processos judiciais. Essa característica é especialmente valorizada em disputas comerciais, onde a proteção de segredos empresariais pode ser importante.
Por fim, é importante ressaltar que, apesar dos custos associados à arbitragem, muitas empresas consideram esse investimento justificável em razão dos benefícios que a arbitragem pode proporcionar, como a redução do tempo de resolução de conflitos e a preservação das relações comerciais. A expectativa de uma decisão rápida e a possibilidade de escolher árbitros com expertise específica na matéria em disputa são fatores que frequentemente pesam na decisão de optar pela arbitragem em vez do judiciário.
Mecanismo aliado
A arbitragem surge como um poderoso aliado na resolução de conflitos empresariais, proporcionando uma alternativa ágil e especializada ao sistema judicial tradicional. Este método não apenas garante decisões rápidas e confidenciais, mas também se adapta às complexidades das disputas corporativas modernas. No entanto, explorar mais profundamente a arbitragem e suas práticas pode revelar novas oportunidades para maximizar seus benefícios e enfrentar desafios emergentes. A jornada pelo aprimoramento contínuo nesse campo pode abrir portas para soluções inovadoras e eficientes, garantindo uma abordagem ainda mais eficaz para a gestão de conflitos empresariais.
Lei n° 9.307 de 23 de Setembro de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9307.htm. Acesso em: 12 agosto. 2024.
MARTINELLI, Gustavo. Arbitragem Empresarial: Como usar para a resolução de conflitos empresariais. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/arbitragem-empresarial/. Acesso em: 12 agosto. 2024.
Blog da Omie. O que é a competitividade empresarial e quais os principais elementos. Disponível em: https://blog.omie.com.br/competitividade-empresarial-o-que-e-e-elementos/. Acesso em: 12 agosto. 2024.
GOLDBERG, S. B.; SANDER, F. E. A.; ROGERS, N. H.; COLE, S. R. Dispute resolution, negotiation, mediation, and other processes. 4. ed. New York: Aspen Publishers, 2003.
https://www.migalhas.com.br/depeso/414553/arbitragem-e-competitividade-empresarial-abordagem
Assédio moral e sexual no trabalho: Identificação, combate e a importância dos canais de denúncia
Introdução
O ambiente de trabalho ideal é aquele em que a dignidade, o respeito e a ética são mantidos em todas as interações. No entanto, práticas de assédio moral e sexual ainda são problemas persistentes, causando sérios danos às vítimas e às organizações. O presente artigo objetiva identificar os diferentes tipos de assédio, a importância dos canais de denúncia, os tipos de canais disponíveis e as melhores práticas para sua implementação, além do papel do DET – Domicílio Eletrônico Trabalhista na fiscalização.
Identificação dos tipos de assédio
Assédio moral
O assédio moral se caracteriza pela repetição de comportamentos abusivos que visam humilhar, constranger ou isolar a vítima, geralmente com a intenção de minar sua autoestima e excluí-la do ambiente de trabalho. Esses comportamentos podem incluir críticas excessivas e injustificadas, isolamento social, sobrecarga ou privação de tarefas, e até mesmo agressões verbais.
A identificação do assédio moral requer atenção à persistência e à intenção das ações: se elas ocorrem de forma sistemática e têm como objetivo deteriorar o ambiente de trabalho de um indivíduo ou grupo, é provável que constituam assédio moral.
O assédio moral pode se manifestar de diferentes formas, dependendo da relação hierárquica entre o agressor e a vítima, sendo elas:
Assédio sexual
O assédio sexual é um tipo específico de abuso que ocorre geralmente em contextos em que há uma relação de poder. Ele é caracterizado por ações de cunho sexual, realizadas por alguém que ocupa um cargo hierárquico superior contra colaborador hierarquicamente submisso, visando obter vantagens sexuais.
O assédio sexual é crime, e está tipificado no art. 216-A do Código Penal, que o define o como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da condição de superior hierárquico ou de ascendência sobre a vítima.
Esse tipo de assédio se manifesta principalmente em:
Importunação sexual
A importunação sexual, diferenciando-se do assédio sexual, ocorre quando o agressor pratica um ato libidinoso contra alguém, sem seu consentimento, com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia ou a de terceiros.
O crime de importunação sexual está previsto no art. 215-A do Código Penal, e não exige uma relação de hierarquia entre agressor e vítima, sendo comum que ocorra entre colegas de mesma hierarquia ou até mesmo de um cargo inferior para um superior. Exemplos incluem toques inapropriados, beijos forçados, ou outros contatos físicos de natureza sexual que não sejam consentidos.
Existem dois principais tipos de importunação sexual:
A importância dos canais de denúncia
Os canais de denúncia são fundamentais para a prevenção e combate ao assédio no ambiente de trabalho. Eles permitem que as vítimas e testemunhas de comportamentos abusivos relatem os fatos de maneira segura e confidencial.
A eficácia dos canais de denúncia está diretamente ligada à confiança que os colaboradores têm no sistema, o que depende de vários fatores, como anonimato, acessibilidade e imparcialidade na gestão das denúncias.
Tipos de canais de denúncia
Os canais de denúncia podem ser divididos em dois principais tipos:
Como implementar um canal de denúncia eficaz
Para que um canal de denúncias seja eficaz, sua implementação deve seguir algumas boas práticas:
A importância de cartilhas e posicionamento da empresa para prevenir fiscalizações do MPT
Para evitar fiscalizações do MPT – Ministério Público do Trabalho e minimizar o risco de penalidades, é crucial que as empresas adotem uma postura proativa na prevenção de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. A criação de cartilhas informativas e o posicionamento claro da empresa em relação a práticas abusivas são medidas fundamentais que demonstram comprometimento com o cumprimento da legislação trabalhista e a promoção de um ambiente saudável.
1. Criação de cartilhas informativas:
As cartilhas funcionam como guias práticos para os colaboradores, educando-os sobre os diferentes tipos de assédio, como identificá-los e os passos a seguir para denunciar tais condutas. Essas cartilhas devem ser distribuídas amplamente e atualizadas regularmente para refletir mudanças na legislação ou nos procedimentos internos da empresa. Elas devem cobrir:
2. Posicionamento da empresa
Além das cartilhas, a empresa deve adotar uma política de tolerância zero contra o assédio, comunicando essa postura de forma clara e consistente a todos os níveis hierárquicos. Isso inclui:
3. Documentação e procedimentos:
A empresa deve estar preparada para uma eventual fiscalização do MPT, mantendo toda a documentação em ordem, como:
4. Penalidades e consequências:
A ausência dessas práticas pode resultar em severas penalidades para a empresa em caso de fiscalização pelo MPT, incluindo:
5. Prevenção efetiva:
Manter um ambiente de trabalho livre de assédio não só protege a empresa de sanções legais, mas também promove um ambiente de trabalho mais produtivo e saudável, onde os colaboradores se sentem valorizados e respeitados. Isso reduz o turnover, aumenta a produtividade e fortalece a imagem da empresa no mercado.
O papel do DET
O DET é uma ferramenta digital que facilita a comunicação entre o Ministério do Trabalho e os empregadores, promovendo maior transparência e eficiência no cumprimento das obrigações trabalhistas. Embora não seja um canal de denúncia, o DET pode auxiliar no combate ao assédio ao garantir que notificações e comunicações sejam prontamente recebidas e respondidas pelos empregadores, fortalecendo a responsabilização e incentivando a adoção de boas práticas nas empresas.
Conclusão
O combate ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho é essencial para criar um ambiente saudável, produtivo e ético. A implementação de canais de denúncia eficazes, combinada com a conscientização sobre os diferentes tipos de assédio e suas manifestações, são passos fundamentais para garantir a proteção dos colaboradores. Ferramentas como o DET, embora focadas na comunicação oficial, também desempenham um papel importante na criação de um ambiente de trabalho mais seguro e transparente. Com a adoção dessas medidas, as empresas não só cumprem suas obrigações legais, mas também demonstram um compromisso genuíno com a dignidade e o bem-estar de seus colaboradores.
https://www.migalhas.com.br/depeso/414470/assedio-moral-e-sexual-no-trabalho-identificacao-combate-e-denuncia
Propriedade industrial: Guardiã da inovação e exclusividade
Introdução
A propriedade industrial desempenha um papel importante na proteção e valorização de inovações e criações empresariais. Regida pela lei 9.279/96, essa área abrange marcas, invenções, modelos de utilidade e desenhos industriais, garantindo direitos exclusivos de utilização. Compreender seus aspectos é essencial para assegurar uma posição competitiva no mercado.
Conceitos básicos da propriedade industrial
Esses direitos são essenciais para diferenciar produtos e serviços no mercado. O registro no INPI – Instituto Nacional da propriedade industrial é indispensável para assegurar a proteção legal e a exclusividade. O processo envolve a submissão de documentos específicos e o cumprimento de requisitos técnicos que garantem a validade do direito sobre o bem imaterial. Realizar o registro no INPI é um passo fundamental para assegurar e defender a propriedade intelectual.
A lei 9.279/96 traz todos os bens imateriais passíveis de registro no INPI e consequente direito de utilização exclusiva, sendo eles: Marca; Invenções; Modelos de utilidade; Desenhos Industriais.
A marca é conceituada como o sinal aposto a um produto, uma mercadoria ou indicativo de um serviço destinado a diferenciá-lo dos demais. Assim, a marca é o que identifica e diferencia um produto ou serviço no mercado, por isso o principal requisito para que possa ser registrada no INPI é a sua capacidade distintiva e, consequentemente, apresentar uma novidade se comparada ao mercado do ramo específico em que ela está inserida.
Após o registro, o titular da marca terá exclusividade do seu uso por 10 anos (prorrogáveis) em todo o território nacional e, como regra, no seu ramo de atuação.
Já a invenção é o bem imaterial resultado de atividade inventiva com aplicação industrial. A invenção é protegida por meio do sistema de patentes que garante ao titular a exclusividade por 20 anos.
Por sua vez, o modelo de utilidade é uma espécie de aperfeiçoamento da invenção, ou seja, é um elemento agregado à invenção e tem como requisito a novidade, a aplicação industrial e o ato inventivo. O modelo de utilidade também é protegido pelo sistema de patentes e garante ao titular a exclusividade de 15 anos.
Por fim, o desenho industrial é uma configuração ornamental nova e específica ao produto de modo a torná-lo inconfundível pelo público consumidor. Para que possa ser registrado no INPI, deve ser uma criação nova, original, que não represente a forma original do objeto e suscetível de industrialização. O registro do desenho industrial garante a exclusividade por 10 anos (prorrogáveis três vezes por 5 anos).
Garantia de exclusividade e medidas legais
O titular da propriedade industrial só adquire o direito ao seu uso exclusivo após a emissão do certificado de registro pelo INPI. Por isso, as empresas que pretendem garantir a exclusividade do uso de suas marcas e invenções devem buscar uma assessoria jurídica eficiente que avalie a possibilidade e necessidade de registro no INPI, de modo a preservar o seu renome no mercado e a sua preciosa clientela.
No mais, a lei 9.279/96 também trata de importantes aspectos da propriedade industrial, como as sanções aplicáveis em casos de infração e a proteção contra concorrência desleal. Entre as penalidades previstas estão a apreensão de produtos e o pagamento de indenizações ao titular lesado. Além disso, a legislação sugere medidas de proteção contra o uso indevido de indicações geográficas e trade dress. Empresas que desejam garantir a integridade de sua identidade visual e territorial devem seguir as diretrizes legais e considerar o acompanhamento especializado para evitar disputas jurídicas e assegurar a defesa plena de seus direitos de propriedade industrial.
Desafios e tendências na propriedade industrial
Atualmente, as empresas enfrentam desafios significativos na proteção de seus direitos de propriedade industrial devido à globalização e à crescente digitalização. A proliferação de plataformas online facilitou a violação de marcas e patentes, exigindo monitoramento constante e medidas preventivas eficazes. Além disso, o aumento da concorrência internacional intensifica a necessidade de estratégias robustas para defender inovações. As tendências atuais incluem a utilização de tecnologias avançadas como inteligência artificial e blockchain para reforçar a segurança e rastreamento de direitos. O alinhamento com padrões internacionais e a adaptação às novas dinâmicas do mercado são essenciais para garantir a proteção e a eficácia da propriedade industrial.
Alguns entendimentos dos tribunais
Diante do importante papel desempenhado pela propriedade industrial os Tribunais já firmaram alguns relevantes entendimentos sobre a matéria.
Merece destaque o entendimento firmado pelo STJ de que a reparação por danos patrimoniais e compensação por danos extrapatrimoniais na hipótese de se constatar a violação de marca, independe de comprovação concreta do prejuízo material e moral resultante do uso indevido (REsp 1804035/DF, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª turma, publicado em 28/6/19).
Ainda no âmbito do STJ, a Corte tem reforçado, em diversas decisões, o princípio da especialidade previsto no inciso XIX do art. 124 da lei 9.279/96, que estabelece a possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins, desde que não suscetíveis de causar associação indevida ou confusão no mercado consumidor (STJ – AgInt no REsp 1663455 SP 2017/0048618-9, relator: ministro Luis Felipe Salomão, 4ª turma, publicado em 25/11/21).
Quanto aos Tribunais Estaduais, um exemplo relevante é a decisão proferida pelo TJ/MG que determinou que a proteção à marca se estende ao trade dress (conjunto visual global de um produto que lhe confere identidade visual, com elementos distintivos) das empresas (TJ/MG – AC 10000205796139001 MG, relator: Arnaldo Maciel, Câmaras Cíveis / 18ª Câmara Cível, publicado em 23/2/21). De modo que, de forma geral, a proteção ao trade dress tem sido garantida pelos Tribunais com base na proteção à marca ou na vedação à concorrência desleal.
Críticas ao processo legislativo da lei de propriedade industrial
A lei 9.279/96, que rege a propriedade industrial no Brasil, é objeto de severas críticas significativas em relação ao seu processo de elaboração. Uma das principais críticas é o fato de que a minuta inicial da lei foi redigida em inglês, o que gerou preocupações quanto à adequação da legislação às especificidades do mercado brasileiro e quanto à transparência do processo legislativo. Essa abordagem foi vista por muitos como uma tentativa de alinhar a legislação brasileira rapidamente aos padrões internacionais, sem uma devida consideração das necessidades locais.
Apesar das necessidades evidentes de atualização, não há nenhum projeto relevante de reforma da lei de propriedade industrial. Diversos fatores políticos e econômicos têm influenciado esse processo, resultando em uma estagnação que pode prejudicar a proteção efetiva dos direitos de propriedade industrial no Brasil. A modernização da lei é vista por alguns juristas como essencial para garantir que as inovações sejam adequadamente protegidas, tanto no cenário nacional quanto internacional.
A necessidade de reforma segundo Newton De Luca
O professor Newton De Luca, renomado especialista em direito comercial e propriedade intelectual, destacou a necessidade urgente de reformar a lei de propriedade industrial. Em seus estudos, De Luca aponta que a legislação atual não atende mais às realidades e demandas do mercado contemporâneo, especialmente devido às rápidas mudanças tecnológicas. Ele sugere que uma reforma abrangente é crucial para assegurar que a legislação brasileira continue a proteger eficazmente as inovações e criações empresariais.
Conclusão
A propriedade industrial continua sendo um pilar fundamental para a proteção de inovações e a promoção da competitividade no mercado global. A modernização da legislação e a adoção de práticas inovadoras são passos necessários para enfrentar os desafios impostos pela globalização e digitalização. É imperativo que as empresas busquem proteção adequada para seus ativos intangíveis, garantindo que suas inovações sejam preservadas e valorizadas.
BRASIL. Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996. Dispõe sobre a propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996. Seção 1.
DANNEMANN SIEMSEN, BIGLER e IPANEMA, MOREIRA. Comentários à lei de propriedade industrial e correlatos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DI BLASI, Gabriel; GARCIA, Mario S.; MENDES, Paulo Parente M. A propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v.1.
https://www.migalhas.com.br/depeso/414406/propriedade-industrial-guardia-da-inovacao-e-exclusividade
DET e DJE: Funcionalidades e distinções – Guia para empregadores e entidades
Recentemente, novas ferramentas foram implementadas para modificar o modo de recebimento e ciência de citações e notificações expedidas pelo Ministério do Trabalho e pelo Judiciário Brasileiro. Neste artigo, exploramos as principais características dessas ferramentas – o DET – Domicílio Eletrônico Trabalhista e o DJE – Domicílio Judicial Eletrônico -, destacando suas distinções, funcionalidades e obrigatoriedade.
O que é o DET?
O DET é um sistema do Governo Federal, gerido pela SIT – Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, vinculada ao MTE – Ministério do Trabalho e Emprego. Este sistema foi instituído para atender ao art. 628-A da CLT, que prevê a comunicação eletrônica entre a Auditoria-Fiscal do Trabalho e os empregadores.
Objetivo do DET: Aumentar a transparência e a eficiência na relação entre a Administração Pública e os empregadores. O DET facilita a comunicação digital entre os Auditores Fiscais do Trabalho e os empregadores, garantindo maior segurança, transparência nas informações transmitidas, além de reduzir a duração dos processos e os custos operacionais.
Quem deve utilizar o DET? O uso do DET é obrigatório para todos os empregadores, independentemente de terem empregados, incluindo empregadores domésticos. É essencial que todos os empregadores (pessoas físicas, jurídicas, entes despersonificados, entre outros) mantenham seus cadastros atualizados no DET, conforme orientações disponíveis no Manual do DET1.
Acesso ao DET: A plataforma do DET pode ser acessada de qualquer sistema operacional com conexão à Internet, mediante autenticação via login na conta gov.br ou por meio de Certificado Digital. As notificações são enviadas por e-mail para os contatos cadastrados, informando sobre a existência de novas comunicações na Caixa Postal do DET. No entanto, a ciência oficial do empregador ocorre somente com a leitura da mensagem diretamente na plataforma, e não pelo e-mail.
Prazos e penalidades no uso do DET
Prazo para leitura das mensagens: É crucial que os empregadores estejam atentos ao prazo de leitura das mensagens recebidas no DET. Notificações não lidas dentro de 15 (quinze) dias serão consideradas recebidas tacitamente. Em alguns casos, este período pode ser inferior, conforme especificado na notificação recebida.
Penalidades por não conformidade: O não cumprimento das obrigações relativas ao DET pode resultar em multas, que variam de R$ 208,09 a R$ 2.080,91, dependendo da gravidade da infração.
DJE: Centralizando as comunicações judiciais
O DJE é uma plataforma digital criada para centralizar as comunicações processuais, citações e intimações destinadas a pessoas jurídicas e físicas. O DJE unifica os métodos de comunicação anteriormente utilizados, oferecendo uma solução centralizada para comunicações processuais.
Plataforma de Comunicações Processuais: Desenvolvida para atender às necessidades da sociedade e dos tribunais, esta plataforma centraliza todas as comunicações processuais eletrônicas dos tribunais em um sistema único.
Cadastro no DJE: O cadastro no DJE é obrigatório para entidades como a União, estados, Distrito Federal, municípios, entidades da administração indireta, empresas públicas e privadas de médio e grande porte. Para microempresas e empresas de pequeno porte, o cadastro é opcional, desde que possuam endereço eletrônico cadastrado no sistema da Redesim, assim como para pessoas físicas. Detalhes sobre o cadastro estão disponíveis no Manual do DJE1.
Boas práticas para o uso de DET e DJE
Para garantir a conformidade com as obrigações legais e evitar penalidades, as empresas devem adotar boas práticas, como:
Cadastramento correto: Assegure-se de que o e-mail cadastrado seja acessado regularmente por mais de uma pessoa.
Verificação diária: Acesse as plataformas DET e DJE diariamente para verificar novas comunicações, evitando perder prazos importantes.
Organização de fluxo de trabalho: Estabeleça um fluxo de trabalho claro para gerenciar as notificações e comunicações recebidas através dessas plataformas.
Conclusão
A implementação do DET e DJE representa um avanço significativo na modernização da comunicação entre a Administração Pública, Judiciário e os empregadores, promovendo maior eficiência, transparência e segurança no cumprimento das obrigações legais. Manter-se atualizado e aderente a essas plataformas é fundamental para evitar sanções e garantir uma gestão jurídica eficiente.
1 Disponível em: https://det.sit.trabalho.gov.br/manual/
2 Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/12/manual-do-usuario-domicilio-judicial-eletronico-ed2.pdf.
A herança no mundo digital
Introdução
A população mundial encontra-se cada vez mais inserida em um contexto tecnológico, no qual muitas das operações e atividades anteriormente realizadas exclusivamente de forma presencial, agora são realizadas de forma online.
Seguindo o embalo dessas mudanças e reformas, foram criados diversos criptoativos (moedas virtuais), sendo a mais famosa delas o Bitcoin, que já é utilizado em diversas operações empresariais, cabendo destacar que, em 2021, o governo de El Salvador aprovou uma lei tornando a referida moeda como oficial do país, junto ao dólar norte-americano, e em abril de 2022, a República Centro-Africana, no mesmo sentido, também adotou o Bitcoin como moeda legal ao lado do franco CFA.
Além dos criptoativos, há outros diversos bens digitais que possuem um valor financeiro. Como exemplo, cita-se as milhas aéreas, ebooks (livros digitais) e redes sociais dos influenciadores digitais, com milhões de seguidores, por meio da qual é possível faturar uma alta quantia diária com publicidades.
Outro interessante exemplo trata-se do jogo Counter-Strike: Global Offensive, no qual um visual especial da metralhadora AK-47 – apenas contextualizando, o referido jogo é de tiro – foi vendido por U$400.000,001.
Todavia, não é sempre que esses bens digitais possuem um valor econômico. As contas de redes sociais de pessoas não famosas, com poucos seguidores, em que pese conter diversas fotografias e recordações – que, com certeza, possuem um valor ao seu titular – não possuem valor econômico.
Nesse cenário, uma pergunta que atualmente é muito feita: o que acontece com estes bens digitais quando há o falecimento de seu titular?
Cabe ao Direito acompanhar essas evoluções e tentar dar uma resposta aos problemas que vão surgindo.
Direito sucessório
O Direito sucessório trata-se de um complexo de princípios e regras jurídicas que disciplinam a transferência do patrimônio de uma pessoa natural, sejam ativos ou passivos, para depois da morte, em virtude da lei ou testamento.
Oliveira e Amorim (2018, p. 37), definem que “Sucessão é o ato ou o efeito de suceder. Tem o sentido de substituição de pessoas ou coisas, transmissão de direitos, encargos ou bens, numa relação jurídica de continuidade”.
Dentro da sucessão, há a figura da sucessão legítima, que se refere à transferência causa mortis concedida às pessoas designadas na legislação como herdeiros necessários do autor da herança, identificados por meio da denominada ordem de vocação hereditária ou por regras específicas de indicação de sucessores. São esses indivíduos que serão convocados para adquirir a herança, seja na ausência uns dos outros ou em situações de concorrência entre eles.
O Código Civil Brasileiro adota como critério os laços familiares, consanguíneos (filiação biológica) ou cíveis (adoção), e o vínculo decorrente do casamento ou da união estável.
A sucessão legítima pode compreender a totalidade do acervo hereditário, ou restringir à parte não compreendida pelo testamento. Pode a pessoa natural, durante a sua vida, apenas dispor da parte disponível de seus bens, correspondentes a 50% do total de seu patrimônio (percentual este que será auferido apenas quando de sua morte). Nesse interim, Maria Berenice Dias ensina (2021, p. 153-154):
O titular do patrimônio não pode dispor livremente de todos os seus bens, nem durante sua vida, nem para depois de sua morte. Só pode doar o que pode dispor por testamento (CC 549). Assim, ainda que seja plenamente capaz, não é absoluta a liberdade de quem tem herdeiros necessários. A lei escolhe determinadas pessoas que necessariamente irão receber parte do patrimônio: descentes, ascendentes e cônjuge. São os chamados herdeiros necessários. A eles é destinada a metade da herança. A sucessão legítima impõe a transferência de metade do patrimônio a quem a lei elege como herdeiro. Somente a outra metade é disponível, tendo o seu titular a liberdade de destiná-la a seu bel-prazer. Pode doar enquanto for vivo ou, por meio de testamento, pode deixar a quem lhe aprouver toda a metade disponível, uma fração dela, ou bens determinados (CC 1.786). Os herdeiros testamentários recebem uma cota-parte da herança e os legatários, bens identificados.
A figura do testamento também se trata de uma última manifestação de vontade de uma pessoa, na qual o falecido dispõe, para depois da morte, em todo ou uma parte de seus bens para terceiros.
Há diversos requisitos e formalidades legais para a elaboração de um testamento, que devem ser estritamente respeitados para ser considerado válido, sob pena de nulidade.
O Código Civil Brasileiro prevê três formas ordinárias de testamento:
Frisa-se que o STJ possui o entendimento que o autor da herança tem o direito de organizar e estruturar a sucessão, de forma que a parte indisponível do patrimônio, que cabe aos herdeiros necessários, pode constar em testamento, desde que isso não implique privação ou redução da parcela a eles destinada por lei, que, nos termos do art. 1.789 do Código Civil, deve ser ao menos de metade do patrimônio.
Desse modo, percebe-se que a sucessão não se trata somente de uma transferência da propriedade, mas também uma continuidade das relações humanas, que sobrevivem e seguem através do direito de herdeiros.
Herança digital
Feitas tais considerações sobre o direito sucessório no capítulo anterior, percebe-se que os bens digitais, por serem parte do patrimônio de uma pessoa natural, também abrangem acervo patrimonial a ser partilhado e devem ser transferidos para seus herdeiros no momento da sucessão.
Conforme bem pontuado pelo professor e doutrinador, Bruno Zampier na obra “Bens Digitais” (2017, p. 124):
“A solução mais acertada, em respeito aos direitos fundamentais e aos cânones do direito sucessório, é permitir que haja transmissão de seu patrimônio digital aos herdeiros, seja pela via testamentária ou legítima. Para tanto, há que se ter o cuidado de arrolar tais bens nos inventários que forem abertos, permitindo-se que o Estado chancele tal transmissibilidade”.
No entanto, autorizar a transferência desses bens digitais quando possuem informações pessoais, como as redes sociais, incluindo aspectos da vida privada de seu titular, pode implicar na violação dos direitos da personalidade. Esses direitos são protegidos constitucionalmente, tanto para o titular desses bens quanto para terceiros.
Para suprir essa lacuna legislativa existente não apenas no Brasil, mas, também, no exterior, as plataformas digitais têm inserido, em seus termos de uso, o caminho a ser trilhado na hipótese de falecimento de seus usuários, oferecendo a possibilidade de tais usuários, previamente, determinar o destino de sua conta em caso de morte.2
Entretanto, tais regulamentos são passíveis de questionamento e têm alcance limitado. Como exemplo, o programa de milhas aéreas da Gol Linhas Aéreas e Smiles, veda, expressamente, em seu termo de uso, a sucessão por herança. Todavia, essa cláusula é incompatível com o CDC, por implicar a extinção de um ativo digital de caráter patrimonial, violando, portanto, o princípio da boa-fé objetiva3.
Para além desses regulamentos, conforme lição de Natália Chaves:
“o próprio titular dos bens digitais sobre os quais pairam a dúvida da transmissibilidade poderá deixar, em vida, a sua manifestação de vontade acerca da destinação de tais bens, hipótese em que sua vontade deverá ser respeitada, observados os parâmetros legais. Uma vez fixados os contornos dos bens digitais passíveis de transmissão causa mortis, constituindo a chamada herança digital, ainda há desafios adicionais, ligados à avaliação desses bens e à consequente tributação em caso de morte.”
Diante da ausência de legislação específica e diversas peculiaridades que envolvem o acervo hereditário digital, é importante a análise caso a caso, e, principalmente, se houver declaração de vontade, ainda em vida, do titular do bem digital.
Legislação internacional e comparativa
Como dito, a questão da herança digital não é exclusiva de um único país, mas sim um desafio global que requer abordagens legais abrangentes e adaptáveis. Em todo o mundo, legisladores e especialistas jurídicos estão buscando maneiras de lidar com a transferência de bens digitais após o falecimento do titular.
Em países como os Estados Unidos e alguns países europeus, como o Reino Unido e a França, foram propostas e, em alguns casos, implementadas legislações específicas para abordar a herança digital. Essas leis visam definir claramente os direitos dos herdeiros em relação aos bens digitais e estabelecer procedimentos para sua transferência e gestão adequadas4.
Por exemplo, nos Estados Unidos, alguns estados promulgaram leis que permitem que os usuários designem um “executor digital” em seus testamentos para lidar com suas contas online após a morte. Esses executores têm autoridade legal para acessar e gerenciar as contas digitais do falecido de acordo com suas instruções.
No entanto, apesar dos avanços em alguns países, ainda há uma falta de harmonização e consistência nas leis de herança digital em todo o mundo. Isso pode criar desafios para indivíduos e famílias com bens digitais em jurisdições diferentes.
Além disso, em muitos países em desenvolvimento e emergentes, a legislação específica sobre herança digital ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento. Isso pode resultar em incerteza jurídica e dificuldades práticas para os herdeiros ao lidar com bens digitais em casos de sucessão.
Diante disso, é essencial que os legisladores continuem a monitorar e responder às mudanças no ambiente digital, desenvolvendo leis e regulamentos atualizados e adaptáveis que protejam os direitos dos indivíduos e garantam uma transição suave e justa dos bens digitais após o falecimento do titular. Uma cooperação internacional e compartilhamento de melhores práticas também são fundamentais para enfrentar os desafios globais apresentados pela herança digital.
Conclusão
Por tudo aqui exposto, todo bem digital de caráter exclusivamente patrimonial deve ser transferido para os sucessores após o falecimento de seu titular. No caso dos bens digitais não patrimoniais, esses não devem ser transferidos para os seus familiares no momento da morte, com exceção de expressa manifestação do titular ainda em vida.
Todavia, excepcionalmente, deve ser possível o acesso a estes bens, quando houver uma justa causa, que deve ser avaliado individualmente pelo Poder Judiciário, para tentar, da melhor forma possível, conciliar os interesses em jogo5.
Além das questões legais e procedimentais envolvendo a herança digital, é importante considerar os aspectos éticos e humanos relacionados aos bens digitais. Como mencionado, os bens digitais podem conter não apenas valor patrimonial, mas também memórias, relacionamentos e identidade pessoal do falecido. Portanto, ao lidar com a transferência e gestão desses ativos, é fundamental garantir que os interesses e desejos do titular sejam respeitados. A possibilidade de acesso a bens digitais não patrimoniais, sob circunstâncias excepcionais e mediante avaliação judicial, visa equilibrar os direitos dos herdeiros com o respeito à privacidade e dignidade do falecido, através do acesso sensível, reconhecendo não apenas seu valor financeiro, mas também seu significado emocional e pessoal para aqueles que deixamos para trás.
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1 GUGELMIAN, Felipe. Skin de Counter-Strike: Global Offensive é vendida por US$ 400 mil. Adrenaline, 2023. Disponível em: https://www.adrenaline.com.br/games/skin-de-counter-strike-global-offensive-e-vendida-por-us-400-mil/. Acesso em: 15 jan. 2024
2 CHAVES, Natália. Herança digital no Brasil: desafios jurídicos e perspectivas. In: CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023. p. 337
3 ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017. p.124-125.
4 CHAVES, Natália. Herança digital no Brasil: desafios jurídicos e perspectivas. In: CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023.
5 ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017. p.128
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OLIVEIRA, Euclides; Amorim, Sebastião. Inventário e Partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
CANSIAN, Adriana; MIELE, Aluísio; CINTRA, Caio; COLOMBO, Cristiano; CABELLA, Daniela; ARAÚJO, Débora; MONTE-SERRAT, DIONÉIA; PIMENTA, Eduardo; CANO, Flávia; JALLAIS, Gabriel; LIMA, Gabriel; FERRARI, Giovanni; FALEIROS JÚNIOR, José Luiz (org.); CAMARGO, Júlia (org.); ROCHA, Lucas; SOUZA, Maique; MATTIUZZO, Marcela; MILAGRES, Marcelo; CHAVES, Natália; LIMA, Pedro Henrique; QUINELATO, Pietra; QUEIROZ, Renata; CALAZA, Tales; HAYASHI, Victor; MARQUES, Vivian; ENGELMANN, Wilson; CARVALHO, CARAVALHO, Anne Isabelle; NOGUEIRA, Michele (org.); PARENTONI, Leonardo (org.). DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO vol. 5 Internet das Coisas (IoT). 1. ed. Belo Horizonte. Centro de Pesquisa em Direito, Tecnologia e Inovação – Centro DTIBR. 2023.
ZAMPIER, Bruno. Bens Digitais – cybercultura, redes sociais, e-mails, músicas, livros, milhas aéreas, moedas virtuais. 1. ed. Indaiatuba. Editora Foco Jurídico. 2017.
Direito empresarial e a atualização do Código Civil
Em setembro/23, por iniciativa do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, foi criada a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, presidida pelo ministro do STJ, Luis Felipe Salomão.
A Comissão de Juristas concluiu em 5/4/241 a análise do relatório final, que foi apresentado ao Plenário do Senado Federal em 17/4/242. A partir de agora, os senadores analisarão a proposta enviada pela Comissão de Juristas, que será protocolada como projeto de lei pelo Presidente do Senado Federal.
Para a atualização dos aspectos envolvendo o Direito Empresarial, foi constituída a subcomissão de Direito Empresarial, que buscou promover ajustes na disciplina e na interpretação de negócios empresariais, com reforço da autonomia privada, levando em consideração aspectos que são próprios desses negócios, com busca da segurança jurídica e maior previsibilidade, adotando as teses que são consolidadas pelo STJ para sedimentar entendimentos da Corte Superior.
Dentre as sugestões de inovações e atualizações propostas no relatório final3, vale citar a criação de um artigo que traz princípios próprios do direito empresarial, inserido no art. 966-A, que assim dispõe:
“Art. 966-A. As disposições deste livro devem ser interpretadas e aplicadas visando ao estímulo do empreendedorismo e ao incremento de um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios no país, observados os seguintes princípios:
Nessa mesma linha, criou-se a previsão de regras específicas para os contratos empresariais, além de regras próprias de interpretação, em harmonia com os princípios transcritos acima, conforme previsão do art. 421-C:
“Art. 421-C. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, se não houver elementos concretos que justifiquem o afastamento desta presunção, e assim interpretam-se pelas regras deste Código, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais.
Parágrafo único. Para sua interpretação, os contratos empresariais exigem os seguintes parâmetros adicionais de consideração e análise:
Como se nota, há uma clara intenção de reforçar, mediante previsão expressa e específica, a necessidade de respeito do princípio da autonomia privada nas relações empresariais, que consiste no poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os respectivos efeitos (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 11)4.
A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princípios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial.
O seu pressuposto imediato é a liberdade como valor jurídico. Mediatamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça (AMARAL NETO, op. cit. p. 17).
O princípio concretiza-se, fundamentalmente, no direito contratual, através de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.
A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes.
Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda).
O controle judicial sobre as cláusulas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia.
Esse é o entendimento consolidado que tem sido adotado de forma reiterada pelos Tribunais Estaduais e pelo STJ, o qual também é consenso na doutrina sobre o tema, de modo que é louvável a intenção da Comissão de Juristas de reforçar tais pontos, por meio da previsão expressa dessas questões no Código Civil, em busca de alcançar maior segurança e previsibilidade nas relações empresariais.
Por fim, apenas a título informativo, o anteprojeto de alteração do Código Civil também alterou os regramentos de empresas estrangerias com operação em solo nacional, exigindo que tenham sede e representante legal no Brasil para o seu regular funcionamento.
O Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS seguirá acompanhando o trâmite legislativo envolvendo a reforma do Código Civil, no que diz respeito ao Direito Empresarial, visando manter as Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais informadas e atualizadas sobre o tema.
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1 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2024/04/comissao-de-juristas-para-revisao-do-codigo-civil-conclui-relatorio-final
2 https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2024/04/anteprojeto-do-novo-codigo-civil-e-apresentado-em-plenario
3 https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630
4 AgInt nos EDcl no REsp n. 1.902.149/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 3/4/2023, DJe de 27/4/2023.
A Utilização de Capturas de Tela como Prova Processual
Atualmente as redes sociais em geral e, principalmente, o WhatsApp fazem parte do dia a dia da maioria dos brasileiros, sendo que a qualquer momento podemos tirar uma captura de tela (“print”) e guardar qualquer informação.
A utilização tão frequente dos meios de comunicação online e imediatos, trouxe a possibilidade de produção de provas através dos aplicativos de comunicação, como por exemplo, provas da ocorrência de um golpe em compra de mercadoria, descumprimento de acordos realizados informalmente, ocorrência de danos materiais ou morais e, até mesmo, confissões de práticas ilícitas.
O Código de Processo Civil, vigente no Brasil, traz em seu artigo 369 a disposição acerca da produção de provas processuais:
“Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.”
Ou seja, as partes de um processo podem provar o que alegam da forma que quiserem, desde que dentro da lei. Neste passo, seria possível deduzir que a produção de prova através de “print” de WhatsApp é válida na esfera judicial.
Contudo, em decisão recente, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela invalidade de prova obtida por “print” de WhatsApp, tendo em vista que o aplicativo disponibiliza ferramentas capazes de alterar a verdade dos fatos, como, por exemplo, a oportunidade de apagar ou, até mesmo, editar uma mensagem já enviada, vejamos:
“Esta Sexta Turma entende que é invalida a prova obtida pelo WhatsApp Web, pois “é possível, com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem enviada (na opção “Apagar somente para Mim”) ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta a ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários” (RHC 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018). 4. Agravo regimental parcialmente provido, para declarar nulas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web, determinando-se o desentranhamento delas dos autos, mantendo-se as demais provas produzidas após as diligências prévias da polícia realizadas em razão da notícia anônima dos crimes.” (STJ – AgRg no RHC: 133430 PE 2020/0217582-8, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 23/02/2021, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2021).
Apesar de a decisão ter sido prolatada em processo criminal, o entendimento vem sendo utilizado pelos Magistrados das varas cíveis para invalidar provas obtidas através de “print” de WhatsApp:
“Para a configuração da ilegitimidade ativa na Ação de Execução de Título Extrajudicial, é necessária a prova inequívoca de que o exequente não é o credor de direito – Em recente julgado do STJ (AgRg no RHC 133.430), foi firmado entendimento de que meros prints de tela de WhatsApp não se prestam como meio de prova – Tendo sido o contrato, utilizado como título exequendo, firmado entre as partes que compõem a lide, não há que se falar em ilegitimidade ativa -Nos termos do art. 784, do CPC, é título executivo extrajudicial, dentre outros, “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas” – O Superior Tribunal de Justiça vem formando entendimento de que nos casos em que houver comprovação do negócio jurídico firmado entre as partes por meios idôneos, como a confirmação da realização da avença pelas partes, o requisito de duas testemunhas assinando o contrato é mitigável no que se refere à formação do título exequendo ( AgInt no REsp 1.870.540/MT) – Nos termos do art. 360, I, do CC/2002, a novação ocorre “quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior”. Assim, não havendo comprovação de que as notas promissórias alegadamente emitidas pelo embargante se prestaram a novação da dívida com o exequente, não deve haver reconhecimento da existência de novação.”
(TJ-MG – AC: 10074170061910001 Bom Despacho, Relator: José Eustáquio Lucas Pereira, Data de Julgamento: 28/09/2021, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/09/2021).
Ainda, além da utilização do entendimento do STJ, os Tribunais vêm expondo seus próprios entendimentos acerca do tema:
“Ação de indenização. Dano moral. Recebimento de mensagem por aplicativo. Ausência de prova da origem das mensagens. Prints juntados desacompanhado de ata notarial. Aplicação do artigo 384 do CPC. Alegação de ato indevido praticado por preposto da ré quando da aplicação de injeção. Ausência de provas sobre o alegado. Improcedência da ação. Recurso da autora improvido.”
(TJ-SP – AC: 10001535320188260012 SP 1000153-53.2018.8.26.0012, Relator: Ruy Coppola, Data de Julgamento: 27/11/2019, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/11/2019).
“Apelação cível. Consórcio. Promessa de contemplação. Não comprovação. Conversas por aplicativos de mensagem eletrônica. Whatsapp. Único meio de prova. Impossibilidade. Responsabilidade afastada. Recurso provido. A utilização de prints de mensagens eletrônicas pelo aplicativo Whatsapp não pode ser admitida como único meio de prova, dada a possibilidade de edição da conversa, mediante a possibilidade de exclusão de mensagens, sem que possa ser recuperada para fins de realização de perícia. Não demonstrada a prova de que a parte autora foi induzida em erro, quando da assinatura do contrato de participação ao grupo de consórcio ou que houve promessa de contemplação, é impossível a responsabilização civil por danos materiais e morais.”
(TJ-RO – AC:70336341220198220001 RO 7033634-12.2019.822.0001, Data de Julgamento: 30/09/2021).
Analisando o entendimento das Cortes, devemos nos munir de todos os tipos de provas possíveis, sendo que, o ideal é que o fato alegado possa ser comprovado através de diversos meios de prova como um contrato formal assinado, troca de e-mails ou, até mesmo, prova testemunhal.
Caso existam apenas provas produzidas através de conversa de WhatsApp, a orientação seria a elaboração de Ata Notarial em Cartório assinada pelo Tabelião, visto que este tem fé pública e irá dar validade às conversas realizadas através dos meios de comunicação online[Ld1] .
Ainda, existem novas ferramentas digitais, como os sites https://www.verifact.com.br/ e https://originalmy.com/, que realizam a validação de prints de conversas de WhatsApp de maneira simples e mais econômica.
Os Tribunais estão cada dia mais abertos a utilização de sites e programas de inteligência artificial, o que pode facilitar a continuidade da utilização de prints como documento probatório em eventual demanda judicial, portanto, sempre procure orientação jurídica para dar validade aos prints antes de incluí-los em um processo.
Giovanna Pedroni Collini
Advogada, graduada em direito pelo Centro Universitário Padre Anchieta (2022), Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela PUC-MG, Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo (OAB/SP) (2022). Advogada do Departamento Contencioso e Trabalhista no TM Associados.